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Junho 2018
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Independente dos erros e acertos, o fato é que o Affordable Care Act (ACA) – ou ObamaCare, como ficou conhecido – sempre gerou grandes discussões nos setores de saúde em todo o mundo. A "Lei de Proteção e Cuidado Acessível ao Paciente" (PPACA, na sigla em inglês), sancionada em 2010, buscou ampliar o acesso de cidadãos dos EUA à cobertura de saúde. 

Já comentamos aqui sobre a importância de se aprender com o sucessos e fracassos do programa lançado pelo então presidente Barack Obama. Apenas para contextualizar, nos Estados Unidos, não há um sistema de saúde público universal para todos. O governo fornece assistência à saúde apenas para pessoas de baixa renda por meio do programa Medicaid, e para as pessoas a partir de 65 anos pelo Medicare. Aqueles que não são beneficiados pelos programas devem contratar um plano de saúde. Um dos fatores dificultadores, contudo, é que os EUA possuem os serviços de saúde mais caros do planeta.

Ainda repercutindo o tema e ampliando os subsídios para a reflexão sobre os resultados do programa, o trabalho “Trends in Preventable Inpatient and Emergency Department Utilization in California Between 2012 and 2015 - The Role of Health Insurance Coverage and Primary Care Supply” (Tendência da frequência de utilização de prontos socorros e internações hospitalares na Califórnia entre 2012 a 2015 – O papel dos planos de saúde na Atenção Primária) publicado na 22º edição do Boletim Científico buscou analisar a relação entre o aumento da taxa de cobertura de plano de saúde promovido pelo governo americano com a frequência dos pacientes em cuidados primários e a utilização de prontos socorros e internação. 

O estudo aponta que o aumento da cobertura do Medicaid no Estado esteve associado com o crescimento a longo prazo nas visitas ao setor de emergência e com a redução ainda maior das internações hospitalares. Isso porque a taxa de entrada de pacientes em geral aos prontos socorros saltou de 29,8% para 33,5% entre 2012 a 2015. Já as internações que poderiam ser evitadas apresentaram um decréscimo de 4,0% no mesmo período. Vale lembrar que, segundo o estudo, a porcentagem de californianos com idade entre 18 e 64 anos com cobertura de seguro saúde do Medicaid aumentou de 11,9% em 2012 para 20,8% em 2015. O percentual não segurado diminuiu de 24,3% em 2012 para 11,9% em 2015. 

A reflexão que resulta dessa pesquisa é que é muito importante uma análise baseada em evidências do impacto da atenção primária, pois ela tem o potencial de evitar internações que seriam desnecessárias. Isso pode contribuir para a qualidade do atendimento e para a sustentabilidade econômico financeira da saúde suplementar.

Confira o resumo na 22º edição do Boletim Científico.

Dezembro 2017
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A discussão acerca do Obamacare não é de hoje e muito se falou de seus erros e acertos nos últimos anos, em especial com a mudança na gestão nos EUA e o primeiro ano do governo Trump. Já repercutimos este tema aqui, apontando o impacto do “Affordable Care Act” – nome oficial da Lei que instituiu o programa – sobre o setor de planos de saúde. 

Para contextualizar, nos Estados Unidos, o sistema de saúde público não é universal. O governo fornece assistência à saúde apenas para pessoas de baixa renda por meio do programa Medicaid, e para as pessoas a partir de 65 anos pelo Medicare. A população não coberta por esses dois programas precisa contratar plano de saúde. No entanto, os EUA possuem os serviços de saúde mais caros do planeta.  

O trabalho “Medicaid Expansion Produces Long-Term Impact on Insurance Coverage Rates in Community Health Centers” (A expansão do Medicaid apresentou impacto de longo prazo nas taxas de cobertura dos seguros saúde nos postos de saúde) publicado na 19º edição do Boletim Científico comparou dados dos Estados que adotaram o programa para verificar se houve aumento da taxa de consultas e acesso aos serviços de saúde em relação aos que não adotaram. 

O artigo analisou dados de saúde de 875.571 pacientes de 19 a 64 anos, no período de 2012 a 2015, em 412 serviços de atenção primária à saúde nos Postos de Saúde (Community Health Centers). Foram analisados dados de 13 Estados norte-americanos, sendo 9 que incorporaram a ACA e 4 que não incorporaram essa política de saúde. 

Para os Estados que aderiram, a nova política ajudou na expansão de planos voltados ao Medicaid, garantindo maior acesso para a população que não possuía planos de saúde. Já nos que não aderiram, a cobertura de serviços de saúde pelo Medicaid não apresentou o mesmo desempenho.  

A conclusão do trabalho é de que apenas expandir o acesso de planos de saúde privado não é eficaz se, conjuntamente, não houver a expansão do acesso ao Medicaid (direcionado à população mais carente). 

Fevereiro 2017
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Por Luiz Augusto Carneiro*

Com o governo Trump que se inicia, fala-se no fim do Obamacare e na promessa dos republicanos de substituí-lo por algo melhor. Criado com o objetivo de ampliar o acesso, melhorar a qualidade e reduzir os custos dos planos de saúde nos EUA, aparentemente, o denominado “Affordable Care Act” – nome oficial do programa – não entregou tudo o que prometeu.

Para contextualizar o Obamacare: nos Estados Unidos, o sistema de saúde público não é universal. Lá, o governo fornece assistência à saúde apenas para pessoas de baixa renda, via o programa Medicaid, e para as pessoas a partir de 65 anos, via programa Medicare. Desta forma, a população não coberta por esses dois programas precisa contratar plano de saúde. Porém, os Estados Unidos têm a saúde mais cara do planeta e nem todos que precisam conseguem contratar plano de saúde por lá, mesmo hoje, com o Obamacare. 

Os números da saúde norte-americana impressionam. É o país que mais gasta com saúde no mundo, em valor total, em termos per capita e em porcentual do PIB. O gasto anual total com saúde por lá é de US$ 3,2 trilhões (2015). É quase o dobro do PIB brasileiro. Em termos per capita, a despesa é de quase US$ 10 mil por ano, enquanto em países desenvolvidos esse valor está em torno de US$ 4,5 mil/ano. Por fim, o gasto com saúde é quase 18% do PIB americano, enquanto que nos países desenvolvidos esse valor é próximo de 9%. 

Outro fato importante está na concentração dos gastos de saúde em um número relativamente pequeno de pessoas. Cerca de US$ 1,6 trilhão, ou 50% dos dispêndios anuais com saúde, são gerados por 5% da população, ou seja, aproximadamente 16 milhões de pessoas. Isso mesmo, o gasto médio per capita dessas pessoas é de US$ 100 mil por ano, dez vezes o padrão médio da população.  São pessoas que acessam os serviços de saúde com mais frequência e cujos serviços são mais caros, boa parte deles doentes crônicos e idosos, esses últimos cobertos pelo Medicare, o qual tem um gasto anual de US$ 650 bilhões. Por outro lado, os 50% dos americanos que menos gastam com saúde são responsáveis por apenas 3% da despesa anual com saúde do país.

E, mesmo assim, nem todos nos EUA têm cobertura de saúde, seja pública ou privada. De 1995 a 2013, o percentual dos americanos abaixo de 65 anos e sem qualquer cobertura de saúde flutuou em torno de 16,5%. Mas, o Obamacare, que começou em 2010, conseguiu reduzir esse percentual para 10,5%, em 2015.

Se, por um lado, o acesso a planos de saúde aumentou, o mesmo sucesso não veio em relação à contenção dos custos. Sobre isso, um fato diz tudo: em 2017, em metade dos estados americanos, o reajuste na mensalidade do plano de saúde do Obamacare será de pelo menos 20%. E, em oito estados, os reajustes serão de pelo menos 30%, chegando a 116% de aumento no Arizona. Um outro fato é igualmente alarmante: em todos os estados as seguradoras de saúde estão saindo do mercado do Obamacare, porque estão perdendo dinheiro, diminuindo em muito as opções de seguradoras aos beneficiários. Em 2016, apenas 2% dos beneficiários não tinham escolha e contavam com apenas uma seguradora ofertando planos de saúde do Obamacare em sua localidade. Em 2017, este porcentual será de 21%.

O que deu errado? Em resumo, o Obamacare violou princípios básicos necessários à viabilidade dos seguros. Foi permitido que pessoas contratassem seguro saúde com cobertura para doenças preexistentes. E essa contratação foi turbinada pelo direito a renovação anual automática, por subsídios nas mensalidades e por limites máximos para as mensalidades dos mais velhos. A mensalidade para 64 anos não pode ser superior a três vezes a mensalidade de que tem 21 anos, criando um subsídio entre as faixas etárias. Já a multa anual para quem não contratasse seguro saúde foi fixada em US$ 695 por adulto, valor baixo se comparado ao custo de ter seguro saúde. 

Logo, ao longo dos anos, o que ocorreu é conhecido por “death spiral”, ou espiral de seleção adversa. A cada ano o custo per capita vai aumentando, os mais saudáveis saem e permanece uma proporção cada vez maior de menos saudáveis. No ano seguinte, o custo aumenta de novo e o fenômeno se repete. O Obamacare criou períodos específicos de contratação a cada ano, para tentar evitar que as pessoas esperassem ficar doentes para então contratar plano de saúde. Porém, os fatos mostram que isso não funcionou. No fim, prevaleceu o desincentivo de contratação por pessoas mais saudáveis. 

No Brasil, o fenômeno de inviabilidade há tempos atingiu os planos de saúde individuais, simplesmente porque as regras do jogo tornaram a sua oferta um negócio de altíssimo risco para a maioria das operadoras. Antes da regulação dos planos de saúde pelo governo, a seleção adversa já existia nos planos individuais, mas o produto era viável por conta de maior flexibilidade na formatação e reajuste de mensalidades e na definição coberturas. 

Em 2003, três anos após a criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), os beneficiários de planos individuais com 59 anos ou mais já eram 17% do total, enquanto esse número para a população brasileira era 9,1%. Em 2015, os planos individuais já tinham 24% de pessoas nessa faixa etária, ante 12,6% da população brasileira, fenômeno explicado pelo envelhecimento populacional. Porém, a regulação criada pela lei 9.656/98 engessou as coberturas em patamares que os tornaram caros demais para muitas pessoas. Além disso, a partir de 1999 o governo passou a controlar o reajuste anual dos planos individuais, permitindo reajustes máximos muito aquém da variação de custo percebida pelas operadoras, que passaram a acumular prejuízos nessa operação. Ao mesmo tempo, o rol mínimo de coberturas foi sistematicamente ampliado a cada dois anos, sem a possibilidade de uma contrapartida na adequação das mensalidades.  Uma conta que, por si só, já não fechava.

Porém, muito da inviabilidade dos planos individuais veio a partir de outra lei, o Estatuto do Idoso, que, desde 2004, fez com que a última faixa etária dos planos de saúde começasse aos 59 anos, sendo que a regulação da ANS ao mesmo tempo exige uma mensalidade para essa faixa que não supere em seis vezes a mensalidade da faixa etária até 18 anos. Com o rápido envelhecimento populacional, especialmente com o aumento da proporção de idosos, definitivamente essa conta não fecha.

Pelo visto, as experiências nos EUA e no Brasil mostram que governos e legisladores, com as melhores intenções de proteger consumidores e ampliar a cobertura de planos de saúde, acabam por vezes em criar regras que inviabilizam a oferta desses planos, resultando no oposto do desejado. 

Fica então como aprendizado que as soluções, tanto para os EUA quanto para o Brasil, encontram-se na reversão das regras falhas que inviabilizam a oferta de planos de saúde. De nada adiantará o governo Trump desconstruir o Obamacare se não tiver esse princípio em mente. Enquanto isso não acontecer, a situação apenas tende a se agravar, lá e aqui.

 

* Superintendente executivo do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS)